Denúncias de assédio moral. Denúncias de assédio sexual. Um Big Brother montado na sala do presidente com câmeras espionando funcionários e diretores. Policiais à paisana armados atuando em dia de eleição para intimidar adversários políticos. Parece a crônica de um filme de máfia. Mas não é. São os bastidores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Episódios ocorridos na atual gestão, do presidente Ednaldo Rodrigues. Tudo isso está em registros judiciais, policiais e do comitê de ética da própria CBF. No fim de 2022, boa parte da estrutura e dos funcionários da CBF havia se mudado temporariamente para o Catar, onde seria realizada a Copa do Mundo.
Com a sede da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, praticamente vazia, Haroldo Aguiar, um dos responsáveis pela área de TI, saiu de seu posto de trabalho e deixou a tela do computador aberta na página do WhatsApp.
Ao passar pela mesa, um funcionário do departamento de Infraestrutura e Patrimônio viu três mensagens enviadas em sequência às 13h57 do dia 10 de outubro daquele ano:
"Câmeras escondidas no restaurante".
"Envia para o setor de compras"?
"Boa tarde".
O autor da ordem: Ricardo Lima, genro do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.
O responsável pelo flagrante entendeu rapidamente a dimensão do que viu e fotografou a tela.
Não havia dúvidas: o presidente da maior entidade do futebol brasileiro, uma das mais importantes instituições do esporte mundial, estava montando um esquema de espionagem de seus funcionários e diretores em plena sede.
Um Watergate moderno, um Big Brother sem consentimento de funcionários.
Dois meses depois da ordem, vieram as férias coletivas na sede da Barra da Tijuca, como todo ano em dezembro, época em que o futebol brasileiro para por um mês. Sem funcionários na CBF, a ordem presidencial para instalação de câmeras de espionagem foi fácil de ser cumprida.
A ideia parecia perfeita: escondidas nos detectores de fumaça do restaurante, com áudio e imagem. As conversas e os segredos de funcionários, dirigentes, visitantes, políticos que ali frequentam, jornalistas, treinadores...
Pouco tempo depois da instalação das câmeras para espionagem, uma obra na sede possibilitou que Luísa Rosa, então diretora de infraestrutura e patrimônio da CBF, e sua equipe, identificassem o aparato: cinco câmeras estrategicamente postas em compartimentos falsos de detectores de fumaça, confirmando a foto do e-mail feita pelo autor do flagrante da ordem de instalação.
Em uma sala de reunião cujo acesso era exclusivo para o presidente e um segurança pessoal, a última surpresa, a cena final: na tela do computador da mesa de Ednaldo Rodrigues, o controle de todas as câmeras.
Muito mais do que isso: o controle de parte das conversas de pessoas chaves do mundo do futebol brasileiro.
Denúncia de assédio na justiça
O inacreditável Big Brother está relatado em um processo em andamento do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) que corre em segredo de justiça e ao qual a reportagem teve acesso, protocolado em 21 de dezembro de 2023, por parte da ex-diretora Luísa Rosa.
O processo na justiça vai muito além do assédio por espionagem do presidente da CBF. Nela, a executiva pede a condenação da CBF e indenização por assédio moral, sexual e discriminação por gênero.
Na peça judicial, a diretora descreve em detalhes o que passou nos três anos em que trabalhou na entidade, afirmando que a CBF "resolveu envolvê-la em uma jogada de marketing, alçando-a como "a primeira mulher diretora da CBF", mas, como dito a exaustão, não mais se tratou de uma ilusão, a autora era diminuída, objeto de piadas de cunho sexual, chamada para sair por outros integrantes da diretoria...", anexando na peça judicial inúmeras mensagens ilustrando os fatos e afirmando ter sido "vítima de assédio moral e sexual".
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O pedido é sustentado principalmente pelos relatos das relações da ex-diretora com três executivos da CBF: o presidente Ednaldo Rodrigues, Rodrigo Paiva (diretor de comunicação) e Arnoldo Nazareth (gerente geral operacional e presidente da federação do Amazonas).
Nos relatos sobre o assédio moral em que denuncia o presidente, descreve que a CBF é um ambiente onde "assediar (independentemente da natureza do assédio) pessoas seria uma regra geral de conduta da CBF comandada por Ednaldo Rodrigues" e que, em sua gestão, o dirigente "instaurou um verdadeiro ambiente de assédio na entidade. Não impressiona, portanto, que mais da metade dos funcionários da CBF teriam medo de retaliações por denúncias".
No processo, a ex-diretora de infraestrutura e patrimônio descreve a atuação do diretor de comunicação da CBF, Rodrigo Paiva, assim:
"O referido diretor sempre se mostrou extremamente solícito e amoroso com a autora, em quem passou a confiar como se de fato fosse um 'amigo', um apoio dentro da empresa em que sofria todo tipo de assédio, ele passou a demonstrar-se sempre preocupado e disponível. Entretanto, a autora encontrava-se tão fragilizada que não percebeu que essa relação também era de assédio, demonstrando-se, pelas trocas de mensagem em anexo, onde sempre era tratada por 'linda', 'anjo', convidada a encontrá-lo em cafés e bares no Leblon (onde ambos residiam), além de reconhecer o ambiente doentio no qual vivia...".